Outubro 7, 2024

Os jovens empresários, promotores dos novos projectos de elevação do Semba, combinam maioritariamente o orgulho pelo bairro onde nasceram e/ou residem com a sonoridade que moldou a identidade musical angolana, centrada no Semba.

Trata-se de um fenómeno cultural e social crescente que tem a particularidade de nascer nas comunidades e não resultar de políticas impostas a partir de cima. O seu aspecto cultural faz relembrar os centros recreativos e culturais que prosperaram na década de 1980; já o pendor social, ao agregar as várias gerações oriundas de um determinado lugar, reanima o antigo espírito de bairro e infunde, nos mais velhos, a nostalgia de tempos antigos.

Os promotores João Adilson, Nelo Dias, Cristo Platina, Jigronovick e DJ Mania, numa época em que os discursos oficiais e oficiosos em torno das indústrias criativas, do turismo cultural e da elevação do Semba a Património Imaterial da Humanidade estão em alta, paradoxalmente, remam contra a maré. Sem grandes apoios, eles estão a empreender no meio cultural e de forma natural estão a colocar os seus bairros no “roteiro turístico-cultural” da cidade de Luanda, aproveitando a forte carga histórica e a paixão que têm pelo Semba e suas variantes. Outro feito destes promotores é, como quem não quer a coisa, no seu conjunto, estarem a deslocar o eixo das actividades músico-culturais e recreativas do centro para as periferias, para os lugares onde grande parte do público vive, dispensando-lhe as longas deslocações do local do evento para casa e das inconvenientes abordagens policiais, no âmbito das “operações bafómetro”. 

A existência destes espaços remete-nos a uma Luanda do passado, num ambiente de proximidade, sem os típicos VIP do antigamente, que exalavam a síndrome do novo-riquismo. Reina nesses novos espaços um sentimento de forte pertença, um bairrismo positivo. Com preços “ainda” acessíveis (2.500 a 10.000 kwanzas), a plateia é geralmente constituída por gente que cresceu ou reside no bairro, de um lado, e do outro aficcionados da música angolana atentos aos locais onde podem desfrutar da também chamada “música dos kotas”.


GOLFE 1 Muzonguê do Ngoló

O Muzonguê do Ngoló acontece no espaço cultural e recreativo KinenuClub, sito no largo dos Bordões, na sub-zona 10 do bairro Golfe 1. O local é facilmente localizável, se dissermos que fica depois do famoso Mercado dos Correios. O GPS para lá chegar é o velho boca-a-boca, já que o salão fica mesmo no meio do bairro. Uma das frases mais ouvidas para aqueles lados da cidade é “O Ngoló é a banda”.

O projecto Muzonguê do Ngoló foi criado pelo proprietário Manuel Bartolomeu Dias “Nelo Dias”. Ele justifica do seguinte modo a sua iniciativa: “a exiguidade de espaços para a expansão do Semba e o gosto por este estilo musical foram as razões que me motivaram, bem como a valorização do estilo de música popular urbana angolana, procurando preservá-lo e incentivar os ngoloenses e os dos arredores para a sua praticabilidade”.

Segundo Nelo Dias, o Kinenu Club carrega a mística dos centros recreativos do passado e que se situavam no Golfe, ou mais alargadamente no Kilamba Kiaxi, nomeadamente, Kizomba, Kandandu, Salão do Adão Simão, Saidy Mingas, e outros.

“Pensamos ser a posteriori um dos grandes mobilizadores e incentivadores do Semba. Desde que haja apoios governamentais muito mais faremos para imortalizar o Semba! Costumamos dizer que somos amantes da boa música popular urbana angolana, mas os apoios não existem, mesmo assim tudo vamos fazendo para que esta matriz  da nossa cultura não morra”, salientou Nelo Dias.

O Muzonguê do Ngoló é realizado em todos os primeiros domingos de cada mês. E é já no próximo domingo (05/03) que ressurge num Especial Março Mulher, com Dina Santos, Fatozinha e Tony do Fumo Júnior. Na edição anterior contou com a presença de Baló Januário.  A cerimónia inaugural do Muzonguê do Ngoló foi realizada a 29 de Maio com os artistas convidados Lulas da Paixão, Legalize e Tony do Fumo Júnior, acompanhados pela Banda Kinenu. O projecto conta já com oito edições. Passaram pelo palco do KinenuClub os seguintes artistas, além dos acima citados: António Paulino, Proletário, Robertinho, Calabeto, Dom Caetano, Augusto Chacaya, Suzanito, Luís Lau, Zé Manico, António da Luz, Neide da Luz, Zé Mix, Miau, Urbanito Filho, Rui Morais, Lolito da Paixão, Pedro Cabenha e o Conjunto Os Kiezos.

MARÇAL Kuimbila Ni Kukina Semba

João Adilson, apelidado por Cireneu Bastos como “Miúdo Atrevido”, é o mentor do projecto Kuimbila Ni Kukina Semba, que desde 2019 aposta na promoção do Semba, não apenas com a realização de espectáculos musicais, mas também com palestras e debates.

O promotor tem noção da responsabilidade que é orgnizar um evento como o “Kuimbila Ni Kukina Semba”, isto é, “Cantar e Dançar Semba”,no histórico Marçal. “Muito da música angolana nasceu e aconteceu aqui. Temos os Kiezos, Carlos Lamartine, Bonga, Massano Júnior, Santocas, Kituxe, enfim, é um bairro de história”, frisou.

O Salão do João Adilson está localizado na rua da Dona Zita, que no passado era zona de bares e salões. Está bem próximo do famoso KaPoloboxi. Um dos sonhos do seu proprietário é criar a Casa de Cultura do Marçal e reconquistar a áurea que no passado tiveram a Gajajeira, Maxinde, Giro Giro, Salão do Senhor Jacinto, Luares das Rosas, Salão Azul, Grémio do Chico Coio e outros famosos centros culturais e de recreação do bairro.  No ano passado, João Adilson abriu um novo espaço recreativo no bairro Vila Flor e realizou uma maratona musical a que denominou Festshow da Dipanda Kuimbila Ni Kukina Semba, com três dias de espectáculos na Praça do Beato Salú, no Bairro Operário, no âmbito das comemorações da Independência Nacional. Pelo projecto passaram muitos dos artistas defensores da música de matriz nacional. Os Jovens do Prenda e Os Kiezos, Banda Movimento, Robertinho, Carlos Lamartine, Calabeto, Dom Caetano, Augusto Chacaya, Lulas da Paixão, Legalize, Banda Movimento, Euclides da Lomba, Banda Maravilha, NguamiMaka, Banda Yetu, Sabino Henda, entre outros.

João Adilson pensou em desistir no início deste ano de 2023, mas o amor pelo Semba e a pressão de alguns conselheiros como Carlos Lamartine e Augusto Chacaya,  fez com que alterasse  os planos. Ontem, levou ao palco “Os Mizangala DT” e no próximo dia 1 de Abril vai pôr a tocar e a cantar o Conjunto Os Kiezos e convidados.

CAZENGA Praça do Semba

Felizardo Cristóvão “Cristo Platina” é o filho do Cazenga que também embarca nestas passadas da Música Popular Urbana Angolana. Como resultado, gizou o projecto Praça do Semba, que nasceu no passado mês de Janeiro no Café Platina Lounge Bar.

O espaço, diferente dos anteriores, é de fácil acesso, está na estrada principal, poucos metros depois do viaduto entre a Terra Nova e o Cazenga, na avenida Hoji-ya-Henda, no Tala Hady. O Café Platina Lounge Bar existe há oito anos e durante este tempo foi apresentando outro tipo de propostas musicais, mas a passagem dos Kiezos em Novembro do ano passado confirmou a necessidade de um projecto específico do Semba. Calabeto, Dom Caetano, Lulas da Paixão, Augusto Chacaya, Pedro Cabenha, Mizangala DT, Banda Yetu, Tropicalíssimo, Ngola Som, Afro Semba e Banda Muzangala, esta formada por jovens do Cazenga, já actuaram no espaço.Cristo Platina disse  ao Jornal de Angola que o projecto Praça do Semba “é um incentivo  às pessoas para valorizarem o Semba como ritmo da cultura nacional”.

O promotor de eventos está preocupado com a pouca adesão por parte dos mais jovens, “que estão mais inclinados a fazerem estilos de outros países”.

Calabeto, Dom Caetano e Augusto Chacaya abriram o projecto porque, para Cristo Platina, “são grandes referências do estilo Semba e aprovaram o projecto Praça do Semba”.

Este evento também é um ambiente onde o bairrismo positivo tem estado em alta. A título de exemplo, já albergou o programa radiofónico Voz dos Kotas, da RNA, dedicado às histórias do Cazenga. Quim Ribeiro, antigo craque do futebol e um ilustre morador desta zona, sintetizou todo o seu orgulho e emoção da seguinte forma: “O Cazenga é a minha Nação e a minha Pátria”. O antigo futebolista realçou a importância de eventos desta linha, onde a música serve para fortalecer os laços afectivos e de solidariedade, assim como proporcionar momentos de reencontro.

VIANA Calçada do Semba

Outro obreiro da promoção do Semba é Jigronovik Gaspar, um filho do Cazenga que empreende culturalmente em Viana, onde criou o projecto “Semba na Calçada” no Coffee Bar Restaurante Expresso 24 Horas, na Vila de Viana.

O seu conceito está assente em conversas matinais em que artistas partilham as suas experiências e visões sobre a música angolana. Às vezes acontecem também espectáculos, mas sempre com a preocupação dos diálogos e da troca de conhecimentos, como aconteceu em Janeiro último no Uspot Pub andLounge, no Kikuxi, aquando da passagem por lá da Banda Maravilha e do cantor Mig. Pelo Semba na Calçada já passaram Carlos Lamartine, Calabeto, Kintino da Banda Movimento, Clara Monteiro, Dina Santos, Eddy Tussa, Fató, Legalize e outros nomes sonamtes da nossa música popular urbana.

Jigronovik e os mentores dos projectos anteriores referenciados estão juntos e a trabalhar em acções comuns relacionadas com a promoção e divulgação do Semba. No mês de Janeirom estiveram em várias edições do programa Sons da Banda, da Rádio Luanda, onde deram algumas pinceladas sobre o seu trabalho e mostraram as dificuldades por que passam para conseguir patrocínios, bem como apontaram a ineficiência da Lei do Mecenato e das políticas culturais. Todas essas preocupações, entretanto, não os impedem de continuar a fazer o seu trabalho de produção de eventos de promoção do Semba e da cultura nacional.

“Há um Semba em cada canto”

Com outra estrutura organizativa, a Galeria do Semba, um espaço museológico localizado no Centro Recreativo e Cultural Kilamba, também tem um projecto de música de proximidade, que é o “Há Um Semba em Cada Canto”, coordenado por DJManya e Dom Caetano, com o suporte instrumental da Banda Duia.

O evento acontece ao domingo uma vez por mês,  na parte frontal da Galeria do Semba, e é um convite aos moradores das Bês, Cês, Terra-Nova, Rangel e outros bairros dos arredores para apreciarem o Semba e suas variantes. A actividade quase sempre coincide com uma emissão do programa radiofónico Kialumingo, da RNA.

Outras iniciativas na linha do que estamos a narrar  são “O Cantinho Bekambias”, no Bairro Operário, mais exactamente na zona onde, no passado, existia o Salão dos Luandenses; o Salão do Honorato, Uniases (Desportivo União de São Paulo), Bangú, Ginásio, Baló Kitoco,  Bar Capirica (nas proximidades do Tunga Ngó, no Rangel), resgatando a mística do Ngongo (Sport do Rangel), Sêngula, Kandimba (Terra-Nova) e outros. Todos estes projectos e locais, para os mais velhos, fazem recordar outros projectos e locais do antigamente, como o Marítimo da Ilha, Kudissangakua Makamba, Bela Vista, Braguês, Kutato, Kussunguila, Mãe Preta, Edal… Estes locais eram, tal como o são os actuais, centros de socialização, onde o bairrismo positivo, aliado ao convívio salutar animado pela trilha sonora da nossa música, traziam e trazem um sentimento de identidade “bwé mwangolê”.

JA

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