Dezembro 3, 2024

O assédio sexual no local de trabalho passa a ser justa causa para o despedimento disciplinar, de acordo com a nova Lei Geral do Trabalho (LGT), que entra hoje em vigor.

Publicada em Diário da República, no dia 27 de Dezembro do ano passado, com o número 12/23, o diploma revoga a legislação anterior aprovada em 2015.

Noutra disposição, o diploma estabelece o assédio (que pode ser bullying, hostilidade, discriminação, preconceito) como justa causa para a rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, considerando-se como despedimento indirecto. Neste caso, o trabalhador tem direito a ser indemnizado.

 
Contrato de trabalho por tempo determinado

O diploma define causas específicas para a celebração do contrato de trabalho por tempo determinado, que passa a ser uma excepção, por adoptar o contrato por tempo indeterminado como regra.

Na lei revogada, a definição do contrato de trabalho por tempo determinado ou indeterminado estava ao critério das partes. O consultor do secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social, Gabriel Capingala, considera que a lei revogada colocava as partes em pé de igualdade, com base no princípio da liberdade contratual, quando no Direito do Trabalho as partes não são iguais.

O diploma veio, também, eliminar a distinção da dimensão das empresas como critério para a definição da duração dos contratos de trabalho por tempo determinado.

 
Direitos de personalidade

A nova Lei proíbe expressamente a solicitação de testes ou exames médicos para efeitos de admissão, no quadro do catálogo de direitos de personalidade, que incluem  a liberdade de expressão e de opinião, a integridade física, a reserva da intimidade da vida privada, a protecção de dados pessoais, testes e exames médicos, meios de videovigilância à distância e confidencialidade de mensagens e de acesso à informação, com os direitos e deveres a recaírem sobre a entidade empregadora e o trabalhador.

No que se refere à protecção de dados pessoais, a entidade empregadora não pode exigir ao candidato a emprego ou a trabalhador informações sobre a sua vida privada, saúde ou estado de gravidez, a não ser que isso decorra das exigências inerentes à natureza da actividade profissional, o que deve ser fundamentado por escrito.

Mesmo nesta situação, as informações são fornecidas somente ao profissional de saúde, que comunica à entidade empregadora se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a actividade.

A mesma proibição aplica-se em relação à realização de testes e exames médicos e reconhece ao trabalhador o direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso à informação de carácter não profissional que envie, receba ou consulte em meios de comunicação pessoal ou da entidade empregadora.

 
Licença de maternidade substitutiva

No que concerne às licenças, o diploma introduz a licença  complementar de paternidade de sete dias úteis, seguidos ou interpolados, por ocasião do nascimento do filho, mas sem remuneração.

A nova LGT introduz, ainda, o direito de o pai substituir a mãe do recém-nascido no gozo da licença de maternidade, em caso de incapacidade física, psíquica comprovada ou morte daquela.

A substituição implica o direito de o trabalhador beneficiar do subsídio de maternidade a que a mãe do recém-nascido teria direito, se ainda não tiver sido pago.

Tem, igualmente, direito à licença parental qualquer outro  trabalhador que substitua um dos pais, por incapacidade ou morte e tenha sob sua responsabilidade o cuidado do recém-nascido, beneficiando do subsídio de maternidade nas mesmas condições.

 
Salário durante as férias passa a incluir os subsídios

A remuneração do trabalhador durante as férias passa a ser igual ao salário-base mais os complementos técnicos e de disponibilidade, de acordo com a nova Lei Geral do Trabalho, que revoga a Lei 7/15, de 15 de Junho. O diploma exclui os subsídios de transporte e alimentação, a não ser que as partes decidam o contrário.

O diploma revogado previa que a remuneração durante as férias era igual ao salário-base.

 
Faltas por falecimento

Além do que já estava previsto na legislação anterior, o direito de faltar durante oito dias úteis, por falecimento de cônjuge, pais, filhos, irmãos, e outros membros do agregado familiar, e três dias úteis quando se tratasse de avós, netos, tios, sogros, genros e noras, sem desconto salarial, a nova lei acrescenta neste último grupo os primos e sobrinhos.

A lei permite, ainda, ao trabalhador de se ausentar do serviço para participar do funeral de qualquer pessoa, desde que prove que a sua presença é indispensável, ficando o pagamento da remuneração ao critério do empregador.

O trabalhador pode ainda solicitar a ausência do serviço pelo falecimento de pessoas que não sejam familiares directos, ficando o pagamento da remuneração ao critério do empregador.

Da mesma forma, concede o direito de se ausentar por um dia, pelo casamento de parentes da linha recta ou de irmãos.

 
Faltas não justificadas sem consequências

A nova lei suprime do leque das consequências das faltas injustificadas o desconto nas férias, de igual modo as faltas justificadas que não conferem direito à remuneração deixam de produzir efeitos nas férias.

 
Alargamento das medidas disciplinares

O diploma alarga as medidas disciplinares que o empregador pode aplicar, com a inserção da despromoção temporária de categoria e a suspensão do trabalhador com perda da remuneração.

O diploma revogado previa as medidas de admoestação verbal, admoestação registada, redução temporária do salário e despedimento disciplinar.


FORTUNATO PAIXÃO
Jurista destaca consagração da indemnização por danos morais

O advogado e docente de Direito do Trabalho Fortunato Paixão destacou, ontem, a inclusão da indemnização por danos morais como um dos aspectos inovadores da nova Lei Geral do Trabalho.

Em entrevista ao Jornal de Angola, a propósito da entrada em vigor, hoje, do diploma, o jurista esclareceu que um trabalhador despedido ilegalmente pode alegar indemnização por situações provocadas pelo comportamento do empregador.

Outro ponto relevante é a necessidade de justificação da celebração de contratos de trabalho por tempo determinado e com estruturação de prazo.

A regulamentação base dos contratos especiais, que habilita o Presidente da República a regulamentar por Decretos Presidenciais foi outra inovação saudada por Fortunato, docente da Universidade Católica de Angola.

O acolhimento e desenvolvimento dos direitos de personalidade, e não só, bem como o alargamento das medidas disciplinares são outros aspectos que considera relevantes, apesar de defender a clarificação da medida de despromoção e da suspensão com perda parcial da retribuição.

Outro ganho com a nova LGT, segundo Fortunato Paixão, é a consagração das férias como direito e não sanção, porquanto, acrescentou, o trabalhador não precisa ter bom comportamento de assiduidade para gozar as férias, ou seja, não se descontam as faltas na duração das férias.

“Estou particularmente satisfeito com a decisão de revogação da Lei n.º 7/15, de 15 de Junho, Lei Geral do Trabalho, na medida em que encaminhou as relações laborais para os destino da liberdade contratual ( o que não pode ser muito evidente neste tipo de relações)”, sublinhou, dando como exemplo a forma como libertou os intervenientes do contrato na escolha das modalidades contratuais.


Código de Processo do Trabalho

Para o académico, o Código de Processo do Trabalho, que entra em vigor no próximo mês, é bem-vindo, na medida em que acaba com a dispersão que existia em matéria processual. No conjunto de diplomas que pareciam revogados, disse, imperava uma certa confusão entre os aplicadores.

 Fortunato Paixão assegurou que o Código de Processo do Trabalho assume, em si, os princípios da tramitação que eram referidos apenas em sede da doutrina e da jurisprudência, descreve a forma e os tipos de processos,  para além da tipologia de jurisprudência. “A classe dos aplicadores está satisfeita e agradecida”, concluiu.

Pedro Bica


Associações sindicais podem intentar acções de trabalho

As associações sindicais e representantes das entidades empregadoras, desde que devidamente autorizadas por escrito, respectivamente pelos trabalhadores e empregadores, podem intentar acções judiciais a favor deles.

De acordo com o Código de Processo do Trabalho, aprovado pela Lei 2/24, de 19 de Março, têm legitimidade para intentar acções judiciais os próprios trabalhadores e seus familiares, em caso de morte ou invalidez, bem como a entidade empregadora com interesse directo no conflito.

O patrocínio judiciário dos trabalhadores e seus familiares pode ser exercido pelo Ministério Público, por defensor público ou por advogado.

Antes da propositura da acção judicial, a lei permite ao interessado requerer conciliação ao Ministério Público junto da Sala de Trabalho.

Quanto às espécies e formas de processo, o Código prevê acções declarativas e executivas.

O processo declarativo pode ser comum ou especial. O comum é o processo regra, cujas disposições se aplicam directamente a todas as acções de conflito de trabalho que não tenham forma própria.

 Têm a forma especial os processos emergentes de acidente de trabalho e doença profissional, o processo de impugnação de despedimento disciplinar e de outras medidas disciplinares, o processo de impugnação de despedimento colectivo, o processo de impugnação de deliberações de greve e o processo de protecção da segurança, higiene e saúde no trabalho.

Com 181 artigos, o Código de Processo do Trabalho reconhece a arbitragem voluntária, a conciliação e a mediação como mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos laborais, através dos quais as partes escolhem os árbitros e mediadores.

A lei atribui a esses mecanismos a forma preferencial de resolução dos conflitos colectivos de trabalho.

Fonseca Bengui


 MÁRCIA NIJOLELA, ESPECIALISTA EM DIREITO LABORAL
“O Código de Processo  do Trabalho era uma legislação muito esperada”

 A docente universitária e especialista em Direito laboral afirmou, ontem, que o Código de Processo do Trabalho era uma muita aguardada, oportuna e mais ajustada às necessidades actuais do processo laboral angolano.

Em entrevista ao Jornal de Angola, a propósito da entrada em vigor, hoje, da nova Lei Geral do Trabalho e a  publicação do Código de Processo do Trabalho, a também advogada reconheceu que o país tinha uma legislação processual que anterior à legislação substantiva.

“A legislação processual é que permite a concretização da legislação substantiva e o que resultava desta desarmonia era justamente a desarmonia. Dificuldade dos aplicadores do Direito e não muitas vezes uma desactualização de institutos ou mesmo a não consagração de institutos relevantes na concretização dos direitos substantivos, previstos na Lei Geral do Trabalho”, sublinhou.

Com esta legislação processual, acrescentou, temos a oportunidade de um processo laboral mais coeso, mais conhecido e mais consistente, mais coerente. “Portanto, creio que estão criados os pressupostos para, ao nível das questões laborais substantivas e processuais, termos melhores condições de aplicação do Direito e um Direito mais adequado, mais ajustado”, reconheceu.

 
LGT valoriza a dignidade do trabalhador

Márcia Nijolela considerou que a nova Lei Geral do Trabalho valoriza muito a salvaguarda da dignidade do trabalhador, com a consagração dos direitos de personalidade, bem como as consequências que decorrem da prática do assédio moral e sexual no contexto das empresas.

“É importante reforçar que o assédio sexual é causa para despedimento, em caso de ter sido praticado por um trabalhador, por exemplo. O assédio moral é causa para o trabalhador rescindir o contrato”, alertou.

Segundo a especialista, “temos um legislador preocupado, não só com o sustento do trabalhador, mas com a criação de um ambiente digno no local da prestação do trabalho, a concretização dos direitos de cidadania do trabalhador no contexto da empresa”.

“E é isto que, no fundo, trata a aplicação dos direitos de personalidade no âmbito da empresa. Então, um contexto laboral em que se reforça a dignidade das partes, e não é só do trabalhador, também do empregador, porque as ofensas aos direitos de personalidade são também reconhecidas em relação ao empregador”, esclareceu.

A jurista referiu ser sua expectativa que a aplicação da nova Lei Geral do Trabalho permita uma melhor concretização da qualidade das relações de trabalho em Angola, um conceito muito próximo ao trabalho decente institucionalizado pela Organização Internacional do Trabalho, em 1999, que se concretiza num trabalho digno.

Pedro Bica


Motivações da mudança da lei

Entre as motivações que estiveram na base da alteração da Lei nº 7/15, de 15 de Junho,  o secretário de Estado do Trabalho e Segurança Social, Pedro Filipe, destacou a densificação do conteúdo normativo aos princípios do Estado de Direito, adequação da legislação laboral  ao  contexto económico e social vigente, promover a eficiência do mercado de trabalho, o crescimento económico e os ganhos do bem-estar social.

Ao intervir num seminário de apresentação do novo diploma, o responsável indicou, também, a necessidade de garantir a sustentabilidade da actividade económica, reposicionar as fontes de regulamentação das relações de trabalho com a equiparação do costume à Lei, assim como estabelecer o contrato de trabalho como única forma de constituição da relação jurídico-laboral e consagrar um catálogo de direitos de personalidade como razões da revogação da lei 7/15.

A alteração da Lei, disse, serviu ainda para alargar as medidas colocadas à disposição da entidade empregadora para o exercício do poder disciplinar, com especial destaque para a suspensão do contrato com perda de remuneração e a despromoção temporária de categoria, assim como introduzir a mobilidade de trabalhadores no âmbito de um grupo empresarial, dando maior flexibilidade na organização e duração temporal do trabalho, com destaque para o regime de horário do trabalhador estudante e o regime do trabalhador com responsabilidades familiares.

Para a preparação do diploma, aprovado pela Assembleia Nacional em Maio de 2023, foi criado um grupo de trabalho constituído por representantes dos trabalhadores e dos empregadores, docentes universitários, juristas especialistas em questões laborais, magistrados e representantes da Administração Pública.

 
SJA

Para o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, a nova Lei teve uma evolução, comparada com a anterior, fundamentalmente, no que diz respeito ao tipo de contrato de trabalho, ao privilegiar a celebração por tempo indeterminado.

“Existe um conjunto de factores para celebrar contratos por tempo determinado. Isso faz com que haja mais estabilidade no emprego, deixando a preocupação do trabalhador em ser despedido a qualquer momento”, realçou.


Faltas por acidentes ou doenças comuns

A Lei Geral do Trabalho obriga o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) a reembolsar as entidades empregadoras por remunerações pagas aos trabalhadores, num período de até seis meses, por faltas por acidente, necessidade de prestação de assistência inadiável a membro do seu agregado familiar em caso de doença ou acidente.

Na lei revogada, na situação de doença e acidente comum do trabalhador, a entidade empregadora pagava 100 por cento do salário base durante os primeiros dois meses, no caso das médias e grandes empresas, e 50 por cento do mesmo valor até ao 12º mês. O regime era diferente para os trabalhadores das pequenas e micro-empresas. Essa distinção foi eliminada na Lei 12/23.

JA

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