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Donaldo Trump e a exclusão de África

Por: Yolene Vieira

Trump a fazer das suas, e desta vez com uma narrativa que parece cuidadosamente orquestrada para mostrar ao mundo onde, para ele, reside o centro de gravidade do poder global, e, sem dúvida, África não faz parte desse cálculo. Ao não convidar líderes africanos para a sua cerimónia de posse, Trump joga com a simbologia política, deixando claro que, na sua visão de mundo, o continente continua relegado à periferia da estratégia dos Estados Unidos. Mas o que realmente significa essa exclusão? É descaso, desinteresse ou, talvez, uma mensagem mais calculada, um lembrete de que, na ordem internacional que Trump defende, o pragmatismo brutal sobrepõe-se à diplomacia inclusiva?
Para entender esta decisão, é preciso mergulhar na mente de um político que se alimenta de gestos que chocam, mas que, ao mesmo tempo, funcionam como instrumentos de poder. A escolha de figuras como Giorgia Meloni, Nayib Bukele e Javier Milei para a lista de convidados sublinha a construção de um “eixo conservador global”. Trata-se de uma rede que, embora heterogênea em interesses econômicos e culturais, compartilha o ethos de Trump: nacionalismo acima de tudo, rejeição ao multilateralismo, ceticismo sobre mudanças climáticas e desconfiança da globalização. Neste contexto, África é vista como um “custo geopolítico”, um espaço onde os Estados Unidos não conseguem colher resultados imediatos, e, portanto, algo a ser marginalizado.
Mas há mais camadas nesse gesto. A exclusão de África não é apenas uma afirmação do desprezo trumpista pela diplomacia simbólica; é também uma declaração de guerra silenciosa ao crescimento da influência chinesa e russa no continente. Trump sabe que a China está profundamente enraizada na infraestrutura africana, e a Rússia, com sua máquina de desinformação e vendas de armamento, está consolidando parcerias estratégicas. Ao ignorar os líderes africanos, Trump sinaliza que não jogará o jogo da presença e da influência simbólica, mas focará em uma abordagem transacional e direta, apostando na ideia de que, quando os interesses econômicos ou de segurança forem suficientemente importantes, os países africanos virão até os Estados Unidos, não o contrário.

Este gesto é também uma parábola sobre como Trump vê o poder: não como um exercício de cooperação, mas como um mercado onde alianças são commodities a serem negociadas, e não compromissos duradouros. Ao rejeitar o simbolismo de convidar líderes africanos, Trump não apenas reafirma sua abordagem pragmática, mas também desafia o continente a redefinir sua postura no cenário global. É como o mercador que fecha o portão da sua feira, sabendo que os compradores interessados encontrarão um jeito de entrar, mas, ao mesmo tempo, correndo o risco de que os clientes descubram outro mercado mais acolhedor.
Geopoliticamente, isso abre um espaço para reflexões mais profundas. África, com seus recursos abundantes, a maior população jovem do mundo e um crescimento econômico resiliente em alguns setores, deveria ser o palco central de disputas estratégicas entre potências. No entanto, essa exclusão reflete uma vulnerabilidade: o continente ainda carece de uma voz unificada que projete poder global. A União Africana, embora importante, não conseguiu até agora consolidar uma presença geopolítica que obrigue líderes como Trump a reconhecê-la como indispensável. E, enquanto isso, as potências externas continuam a ditar os termos da relação.
Há, contudo, uma ironia poderosa nessa exclusão. Ao ignorar os líderes africanos, Trump pode inadvertidamente estar incentivando o continente a buscar maior autonomia. Assim como uma planta negligenciada pode desenvolver raízes mais profundas para sobreviver, África tem a oportunidade de usar essa exclusão como um catalisador para fortalecer suas instituições regionais, diversificar suas alianças econômicas e redefinir sua narrativa no cenário global. É uma lição dura, mas também uma oportunidade para questionar por que, mesmo com tantas riquezas e potencial, o continente permanece dependente de validação externa.
No final, Trump parece estar apostando que África continuará a ser um ator coadjuvante no teatro global, mas essa aposta ignora uma realidade histórica: os continentes marginalizados têm o hábito de surpreender. Assim como o ouro precisa do fogo para se purificar, talvez esse desdém seja o impulso necessário para que África finalmente reivindique o lugar que lhe pertence no centro das decisões globais. Afinal, até o mais resistente dos navegadores sabe que negligenciar as marés pode levar ao naufrágio. A questão agora é se os líderes africanos aprenderão a navegar com o vento ou continuarão à deriva no mar das prioridades alheias.

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