A criação de uma comissão para dar tratamento à iniciativa de destituição do Presidente da República, subscrita por 90 deputados do Grupo Parlamentar da UNITA, foi, sábado, rejeitada com 123 votos do MPLA e do Partido Humanista, e abstenção do grupo misto PRS e FNLA.
A bancada parlamentar da UNITA não votou por alegada violação do regimento da Assembleia Nacional. Após assistir o processo de votação, os deputados da maior organização política na oposição abandonaram a sala, atitude repudiada pela Mesa da Assembleia Nacional, que qualificou o gesto como falta de ética e decoro parlamentar.
A maioria dos deputados da UNITA interpelados pelos jornalistas no final da sessão plenária queixou-se do método adoptado de votação da proposta, salientando que o mesmo esteve na base da discórdia entre as duas bancadas. O MPLA optou pelo voto de mãos levantadas (método que prevaleceu), enquanto os deputados da bancada da UNITA defendiam o voto secreto.
Ética parlamentar
“Devemos pautar a nossa actuação por uma profunda vinculação à Constituição, ao Regimento e à ética parlamentar”, lembrou aos jornalistas o primeiro secretário de Mesa da Assembleia Nacional, Manuel Dembo, quando procedia à leitura do comunicado de imprensa no final da sessão plenária extraordinária, convocada pela Comissão Permanente da Assembleia Nacional com o único propósito de deliberar sobre a proposta de criação da comissão que viria a dar seguimento ao processo de destituição do Presidente da República, da autoria do Grupo Parlamentar da UNITA.
Manuel Dembo lembrou que os deputados do Grupo Parlamentar da UNITA têm deveres e obrigações a cumprir e não apenas direitos. Apelou, por isso, aos mesmos sentido de Estado e respeito pelas regras democráticas consagradas na Constituição da República.
A proposta
À luz do artigo 284º do Regimento Parlamentar, a iniciativa do processo de acusação e destituição do Presidente da República compete à Assembleia Nacional, sendo que a proposta de iniciativa é apresentada por um terço dos deputados em efectividade de funções.
Após a recepção da proposta de iniciativa do processo de acusação e destituição do Presidente da República, o plenário da Assembleia Nacional reúne-se com urgência e cria, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, uma Comissão Eventual, a fim de elaborar o relatório parecer sobre a matéria, no prazo que lhe for fixado.
A composição da Comissão Eventual, de acordo com o Regimento da Assembleia Nacional, deve atender às regras da representação proporcional.
Concluído o Relatório Parecer sobre o processo de acusação e destituição do Presidente da República, a presidente da Assembleia Nacional convoca uma reunião Plenária Extraordinária, no prazo de 72 horas, para se pronunciar sobre o assunto.
Discutido o Relatório Parecer, o Plenário aprova a resolução sobre a matéria por maioria de 2/3 dos deputados em efectividade de funções, devendo, por isso, ser enviada a respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou Tribunal Constitucional, conforme o caso.
À luz do artigo 129º da Constituição, o Presidente da República só pode ser destituído por crimes de traição à Pátria e espionagem, por crimes de suborno, peculato e por incapacidade definitiva para continuar a exercer o cargo.
João Lourenço cumpre o seu segundo mandato, legitimado pela vitória do seu partido (MPLA) nas Eleições Gerais de 2022, por maioria absoluta.
UNITA abandona a sala e alega violação do Regimento
O líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, criticou o facto de a plenária extraordinária de sábado ter decorrido à porta fechada, quando a matéria abordada tem “bastante interesse” dos cidadãos. Referiu que a medida atenta contra as normas do Regimento da Assembleia Nacional e viola a Constituição.
O político queixou-se do facto de o MPLA na sessão plenária extraordinária de ontem ter violado o Regimento da Assembleia Nacional para impedir que houvesse debate sobre a proposta de destituição do Presidente da República, de quem garante ter provas evidentes de envolvimento em actos de corrupção activa.
Ainda sobre a sessão plenária de ontem, Adalberto Costa Júnior disse que o seu partido foi convidado a fazer uma votação sem resolução, salientando que o procedimento nunca aconteceu na Assembleia Nacional.
“Essa votação do MPLA não tem valor algum. É uma ilegalidade, porque não foi antecedida de resolução alguma”, declarou o líder da UNITA, que assegurou presença dos deputados do seu partido na sessão plenária de amanhã, na qual o Presidente da República fará um discurso sobre o Estado da Nação.
O presidente da UNITA lembrou que quando o seu partido tomou a decisão de apresentar a proposta de destituição do Presidente da República fê-lo com base nos princípios do Estado de Direito.
Adalberto Costa Júnior convidou os deputados do MPLA a promoverem, cada vez mais, a democracia, cidadania, o processo autárquico e a partilharem sempre com os cidadãos tudo que tem interesse público na Assembleia Nacional.
Participação nos debates
Adalberto Costa Júnior assegurou, aos jornalistas, a disponibilidade dos deputados afectos ao Grupo Parlamentar do seu partido continuarem a participar nos actos da Assembleia Nacional, nomeadamente nas comissões de trabalho especializadas e plenárias.
“Vamos continuar a cumprir o nosso papel, no âmbito das comissões de trabalho especializadas e nas plenárias da Assembleia Nacional”, assegurou Adalberto Costa Júnior aos jornalistas, no final da reunião plenária extraordinária.
Aos deputados do MPLA, o líder da UNITA pediu mais colaboração no “cumprimento escrupuloso” do Regimento da Assembleia Nacional e da Constituição da República, em prol da defesa dos interesses mais elementares dos cidadãos eleitores.
MPLA considera infundadas alegações
O Grupo Parlamentar do MPLA considera “infundadas” as acusações da UNITA sobre alegadas violações do Regimento Interno da Assembleia Nacional, facto que levou o maior partido na oposição a não participar no processo de votação para a criação de uma Comissão Eventual que, caso fosse aprovada, daria seguimento ao dossier da proposta de acusação e destituição do Presidente da República.
O posicionamento foi manifestado pelo deputado António Paulo, do partido maioritário, no final da reunião plenária extraordinária da 1ª sessão legislativa da V Legislatura que apreciou e rejeitou, ontem, o documento de iniciativa da UNITA.
Sobre a ausência de uma resolução, um dos pontos evocados pela UNITA como violação do Regimento do Parlamento, António Paulo esclareceu que uma resolução teria sido produzida pelo plenário se, ontem, a Comissão Permanente tivesse tomado uma decisão favorável. O também jurista acrescentou que “todas as condições estavam criadas para o efeito”, destacando a presença, durante o debate, de deputados, membros de comissões e assistentes. “Nisto não há desconformidade nenhuma”, disse.
Ao referir-se aos efeitos da decisão tomada pela Assembleia Nacional, António Paulo sublinhou que, a partir do momento em que a deliberação é a recusa, tal como aconteceu, “o processo morre”.
Quanto ao disposto no Regimento Interno da Assembleia Nacional, explicou que quando há uma iniciativa, o Parlamento precisa de assumir este processo através de uma deliberação no plenário. “Quando se faz essa deliberação, nós não estamos ainda diante de um processo de acusação, mas, a partir do momento em que a mesma é recusada, o processo morre”, reafirmou.
Para o deputado, “o problema é que a UNITA construiu toda a sua narrativa com base num jogo mental, atirando a bancada parlamentar do MPLA uns contra os outros, insinuando que, com a votação secreta, poderia, eventualmente, mobilizar votos, quando, na verdade, o processo não funciona com base na interpretação que os deputados da UNITA fazem”. Esse processo, sublinhou, funciona com base nas regras da Constituição da República e do Regimento Interno da Assembleia Nacional.
António Paulo esclareceu que, embora o Regimento da Assembleia Nacional estabeleça que cada grupo de um terço de deputados pode sempre desencadear uma iniciativa, ela tem de ser assumida pelo plenário, insistindo que este momento de assumpção não é ainda o de acusação. O processo de acusação, disse, começa mais tarde, sendo que “o que se fez aqui hoje é o momento da tomada de decisão, isto é, se o plenário da Assembleia Nacional aceita ou não esta acusação ou iniciativa”.
De acordo com as regras do funcionamento do plenário, referiu, uma decisão é adoptada quando reúne maioria absoluta dos votos e, nalguns casos, votos dos deputados presentes e, noutros, dos deputados em efectividade de funções. Nos termos da Constituição, disse, esta é uma situação em que se exige a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. “Se neste primeiro momento a maioria absoluta rejeita, o processo morre”, sentenciou.
Questionado se estaria em causa, neste caso particular, a “má interpretação da Lei”, que originou todo o alvoroço verificado e a decisão da UNITA de não votar, António Paulo disse que o que mais se regista no Parlamento é a discussão entre deputados sobre a interpretação da Lei. “Isto é muito comum aqui, e foi o que voltou a acontecer aqui hoje”, lamentou o deputado António Paulo.
Incidentes não atrapalham abertura do Ano Parlamentar
O secretário do Bureau Político do MPLA para os Assuntos Políticos, João de Almeida “Jú” Martins, afirmou que o episódio verificado, ontem, no Parlamento, não vai comprometer a abertura do novo Ano Parlamentar, agendada para amanhã.
“Uma questão não tem nada a ver com a outra”, disse o dirigente do partido maioritário, para quem, do ponto de vista político e da gestão do “timing”, a UNITA pretendeu beliscar o processo.
“A celeridade com que o MPLA desencadeou o processo surpreendeu, seguramente, a direcção da UNITA e daí esse tipo de reacções”, considerou Jú Martins, para quem isso “não vai beliscar (a sessão de abertura do novo Ano Parlamentar) e, na segunda-feira, estaremos aqui para ouvir o Presidente da República”.
O também deputado admitiu que, nesta matéria, “o país foi colocado quase que em suspense”, por mais de três meses, desde que o maior partido na oposição anunciou que moveria um processo de destituição do Presidente da República. “A UNITA fez todas as artimanhas, até simulou o envolvimento da sociedade civil, arregimentando documentos para intensificar o processo”, denunciou.
Jú Martins considerou, igualmente, que a UNITA geriu este elemento para o apresentar em véspera da abertura do novo ano legislativo, previsto, nos termos da Constituição, para o dia 15 de Outubro, mas que, como este ano calha num domingo, o Regimento prevê a sua transferência para o dia imediatamente a seguir.
“A UNITA fê-lo de propósito, tendo apresentado a sua proposta três dias antes, pensando que pudéssemos empurrar com a barriga esta matéria”, ironizou o político, referindo que, tal como prevê o Regimento e em respeito à Lei, a presidente da Assembleia Nacional convocou, de imediato, na sexta-feira, a Comissão Permanente – pelo facto de se estar em período de pausa parlamentar –, para que fosse a instituição a convocar o plenário.
Na óptica de Jú Martins, a UNITA, ao promover a acusação, deveria intentar uma acção junto do Tribunal Constitucional, para verificar se há irregularidades e violações da Lei, e não accionar um dos mecanismos mais graves no exercício político do nosso sistema constitucional, promovendo, imediatamente, a destituição do Presidente da República. “Claro que o MPLA não havia de alinhar nesta manobra”, afirmou.
Edna Dala