Dezembro 4, 2024

Uma obra que nos leva numa viagem entre Portugal e Angola nos últimos dois séculos e à boleia dos ecos da guerra, do poder do amor e da magia da música, por vezes utilizada, literalmente, como uma arma mortífera.

Redacção

Natural do Huambo, Angola, José Eduardo Agualusa, homem do mundo e remete muita da sua prosa literária para coordenadas africanas, tal como acontece com o seu mais recente livro, O Mestre dos Batuques (Quetzal, 2024).

No epicentro da trama está o português Jan Pinto, um jovem militar, e Lucrécia Van-Dunem, menina africana, angolana, nascida no seio da recém-burguesia local. É através dos olhos, e corações, deste par perdidamente apaixonado que percebemos e sentimos uma narrativa que percorre várias gerações, entre 1902 e o passado recente. Outra voz muito presente, ao estilo narrador, é a de Leila Pinto, neta de Jan e Lucrécia, e que dá o seu testemunho e conta uma verdadeira história de amor, interrompida pela doença, muito bem secundada por personagens como Irene, Dumbila, Luís Mambo e Kavita (a.k.a. Henjengo, mestre dos batuques).

No entanto, tudo começa quando numa savana angolana um pelotão de soldados europeus é encontrado sem vida, em circunstâncias extremamente misteriosas, já que não há sinal de violência e tudo leva a querer que se tratou de um suicídio coletivo em terras do Reino do Bailundo, outrora existente no Planalto Central de Angola.Agualusa “mistura” uma sociedade secreta de guerreiros ovimbundo, um rei-mago, uma mulher que conhecia os segredos da invisibilidade, um soldado que queria ser fotógrafo, havendo ainda espaço, ecoando em fases de caos e incerteza, para refletir sobre a definição de raça, nação, fronteiras, liberdade, cultura, mas também de amizade incondicional, orgulho e identidade de género.

Graças à escrita “simples”, direta e por vezes naive de José Eduardo Agualusa, Mestre dos Batuques é um romance poderoso, que tem a coragem de voltar à era colonial, apresentando uma ficção (que bem podia ser realidade…) sublinhada por um estilo e bom gosto que bebe dos habituais atributos da capacidade de escrever uma estória muito bem enleada em amor, melancolia, saudade e, neste livro em particular, o poder dos sons, da música, metaforicamente ou não, uma arte que pode dar vida, mas também arrancá-la a ferros, sem piedade, ouçamos ou não o vibrar dos batuques a assaltarem-nos a alma.

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