
A desnutrição infantil em Angola continua a ser um dos problemas mais gritantes e, paradoxalmente, mais ignorados da nossa realidade nacional. Em algumas províncias, perto de 5 em cada 10 crianças vivem em estado de desnutrição, o que deveria ser motivo de alarme máximo. No entanto, o tema continua relegado a discursos vagos ou promessas sem execução. Este artigo é uma chamada de atenção: estamos a comprometer não só a saúde e o futuro das nossas crianças, mas também o desenvolvimento económico e a sustentabilidade do nosso sistema de saúde.
Na dimensão da saúde infantil, os efeitos da desnutrição são devastadores. Mais de 30% das crianças sofrem de raquitismo, ou seja, são pequenos para a idade que têm. Não crescem, comprometendo não apenas o seu crescimento físico, mas também a sua capacidade produtiva futura. Estima-se que cada 1% de redução na altura média de um adulto representa uma perda de produtividade de 1,4% (1). A anemia e as carências de micronutrientes essenciais, como o zinco e o iodo, não só fragilizam o sistema imunitário como também afetam o desenvolvimento cognitivo e motor das crianças (1). Como se não bastasse, a mortalidade infantil continua elevada: cerca de 52 crianças por cada mil nascimentos morrem antes dos 5 anos, com a desnutrição a desempenhar um papel central nesse cenário (4).
É preciso dizer com clareza: uma criança desnutrida hoje será, muito provavelmente, um adulto com menores capacidades cognitivas, com fraco rendimento escolar e reduzida inserção no mercado de trabalho. Estima-se que a perda no Quociente de Inteligência possa atingir entre 5 e 11 pontos nas crianças afectadas (1,5). Isto representa uma tragédia não só para o indivíduo, mas para o país, que perde cérebros, inovação e produtividade.
Mas o impacto não se fica pela saúde. As famílias de crianças desnutridas são obrigadas a gastar mais em consultas, medicamentos e transporte para aceder aos serviços de saúde, muitas vezes localizados a mais de 10 km das suas residências (2). Este esforço económico adicional é frequentemente suportado por famílias já em situação de vulnerabilidade. A consequência? Endividamento, stress familiar e pobreza cíclica. As famílias empobrecem hoje, e as crianças malnutridas de hoje serão adultos com menor capacidade de quebrar esse ciclo amanhã (6).
O sistema de saúde, por sua vez, não está preparado para responder ao peso deste problema. Os hospitais, especialmente nas zonas rurais, encontram-se sobrecarregados. O tratamento da desnutrição grave é dispendioso e prolongado, exigindo nutrição terapêutica específica, monitorização constante e resposta a complicações frequentes, como infeções respiratórias ou diarreicas (3). Em algumas unidades, a mortalidade em casos de desnutrição grave pode chegar a 50% se os protocolos da Organização Mundial da Saúde não forem rigorosamente aplicados (3). Estes são números que não podem ser tolerados.
É urgente abandonar a abordagem paliativa e avançar para soluções estruturais. As estratégias estão bem identificadas: programas comunitários de nutrição com suplementação e leite terapêutico; políticas multissectoriais que combinem saúde, educação, segurança alimentar e proteção social; e o reforço do sistema de saúde primário, com unidades bem equipadas, profissionais capacitados e logística eficiente (6). O problema é conhecido, as soluções também. Falta, acima de tudo, vontade política sustentada, financiamento consistente e responsabilização das entidades públicas.
Investir na nutrição infantil não é apenas um dever moral – é uma decisão estratégica. Reduz os gastos hospitalares, melhora o desempenho escolar, aumenta a produtividade e quebra o ciclo intergeracional da pobreza. Continuar a ignorar este problema é aceitar passivamente a perda de milhares de vidas e o atraso crónico do desenvolvimento nacional.
CK